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Morreu Maria Letícia

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No passado dia 27 de Dezembro morreu, aos 95 anos, Maria Letícia Clemente da Silva, companheira de toda a vida de Mário Dionísio.

Maria Letícia nasceu em 12 de Setembro de 1915, em Beja. Ainda criança, mudou-se com a família para Lisboa, onde sempre viveu. Na Semana de Abertura da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, Eduarda Dionísio contou-nos esta história:

«Era uma vez um miúdo, nascido no século XIX, de «mãe incógnita» segundo ouvi dizer, criado na Casa Pia, depois ferroviário, republicano e maçon (o que só soube depois da sua morte), que tirou o curso de Direito enquanto a filha fazia o liceu no Camões (uma das poucas raparigas que por lá andaram ao mesmo tempo que Álvaro Cunhal, nos anos 20 do século XX). A mulher desse ferroviário tinha o curso do magistério primário (tirado nos anos 10 do mesmo século), mas nunca teve profissão porque se casou com ele. Aplicou os saberes a preparar a filha para tirar a 4ª classe, a fazer fotografia em casa e na economia doméstica. Mal contada, esta é a história da pequena ascensão dos pais de Maria Letícia.»

Para além de ter concluído o Curso Superior de Piano do Conservatório Nacional, tendo sido aluna de música de Oliva Guerra e Francine Benoît, Maria Letícia terminou em 1937 o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde conheceu Mário Dionísio, com quem casou em 1940. Fez o estágio do ensino liceal em Lisboa, no Liceu Pedro Nunes, e foi professora de Português e de Latim no Liceu de Santarém, no Liceu Camões, no Liceu D. Filipa de Lencastre e no Liceu Rainha D. Leonor. Deu também aulas particulares. 

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Em 1947, foi afastada do ensino durante oito anos (até 1955) pelo regime salazarista «por razões de ordem política», nunca explicadas. Julga-se que por ter assinado as listas para a constituição do MUD (Movimento de Unidade Democrática) em 1945.

Também em 1945, depois do fim da guerra, altura em que nasceu uma nova esperança de mudança política em Portugal – que como sabemos não se veio a verificar… –, Maria Letícia fez parte do numeroso grupo de mulheres que aderiu ao Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas, encerrado pelo Estado Novo em 1947. Pertenceu também à Associação Feminina Portuguesa para a Paz, de que foi Presidente, Vice-Presidente e Secretária da Assembleia Geral, entre 1945 e 1951, quando a associação foi encerrada pelo Estado Novo.

Maria Letícia Clemente da Silva e Maria Emília Coutinho Diniz foram colaboradoras de A Capital (de Março de 1968 a Julho de 1969) com o pseudónimo de Dinis da Silva, uma vez que os professores do ensino oficial só podiam nesta época escrever nos jornais sobre ensino depois de superiormente autorizados. Manteve com este pseudónimo a secção «Consultório Escolar». 

Maria Letícia dedicou também muito do seu tempo à tradução, tendo traduzido e introduzido várias obras e apoiado o trabalho de outros tradutores. Foi ainda autora, com Eduarda Dionísio, de livros escolares para o ensino do Português, publicados entre 1972 e 1975 e adoptados pelas escolas durante alguns anos.

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O espólio de Maria Letícia Clemente da Silva, ainda não estudado, que inclui a sua biblioteca (a mesma de Mário Dionísio), está disponível ao público no Centro de Documentação do Centro Mário Dionísio desde a abertura da Casa da Achada.

Não é demais repetir que sem a memória (rigorosa e crítica) e o trabalho de Maria Letícia – que começou, com Natércia Coimbra, a organização e catalogação do espólio de Mário Dionísio logo em 1994 –, sem as suas economias – que foram suficientes para adquirir o prédio em que se instalou a Casa da Achada – e sem a sua vida dedicada a Mário Dionísio, à educação e ao conhecimento, e à luta por um mundo diferente, não existiria esta casa.

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                                   à Maria Letícia

chapelinho de quadrados
de vagar pela rua frenética
com uma fímbria de sol no laço
e uma saudade solta
 
desce um ar de natal sobre os passeios
sobre as pessoas sobre os carros
e um olhar sem palavras que flutua
põe-se a dizer de manso
antigamente
 
sinto surpreso que há momentos
em que as próprias rugas sabem bem
a ao nosso lado
numa alegria de cabelos soltos
o passado e o futuro correm de mãos dadas

 

MÁRIO DIONÍSIO, O riso dissonante, 1950

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16 comentários a “Morreu Maria Letícia”

  1. James diz:

    Os meus sentimentos.
    Maria Letícia deve ter andado no Conservatório pouco depois da minha falecida tia Maria Flora, ela foi aluna dakele pianista conhecidíssimo (tinha uma carreira lá fora) e depois deu lições de piano na casa real tuga.
    Uma vez mais os meus sentimentos, pessoa notável.

  2. Sentidas condolências!

    Luis Filipe Castro Mendes

  3. Pedro Santos Costa diz:

    Para a Eduarda e p/ a Diana um grande beijinho.
    Pedro e Graça

  4. luísa tito de morais diz:

    Maria Letícia foi minha professora de Português no Liceu D. Filipa de Lencastre. Se segui a carreira do jornalismo muito se deve a ela, à sua capacidade de transformar a língua portuguesa numa coisa bela e de estimular o grande prazer da leitura. A sua geração, tal como a dos meus Pais, vai desaparecendo e com ela os verdadeiros homens e mulheres de cultura e obreiros da democracia. Fica-nos o seu exemplo e oxalá o consigamos honrar e saber passar aos nossos filhos e netos.

  5. Isabel Freitas diz:

    Lembro-me sobretudo de uma presença doce e sempre atenta em encontros da Abril em Maio a que tive a felicidade de assistir. Descubro aqui agora com este texto uma presença também combativa, que continua certamente bem viva na memória e nas futuras actividades da Casa da Achada.

    Os meus sentimentos à família a amigos, um abraço para a Eduarda e a Diana,
    isabel

  6. Eduardo Azevedo Monteiro diz:

    Eduarda.
    A arceolinda está no Egipto a ver as estátuas de “Ramsés” (não sei se é assim que se escreve).
    Ainda não sabe do sucedido.
    Pela minha parte apenas hoje fiquei triste (abri por acaso a página do facebook e lá estava a notícia).
    Um grande beijinho para ti e para a Diana.
    Eduardo.

  7. Alessandra Balsamo diz:

    Para Eduarda e Diana
    um grande beijinho e um abraço muito apertado.
    Alessandra

  8. Rui Lagartinho diz:

    Querida Eduarda:

    Todos sabemos que a memória e a obra dos teus pais estão em boas mãos.

    Há momentos assim…dificeis…depois a vida volta a puxar por nós.

    beijinho

    Rui Lagartinho

  9. Uma mulher a ser sempre lembrada, pela obra, pela coerência de seus atos, pelo companheirismo, pela perseverança…
    Os meus pêsames à família e amigos .
    Eugénia

  10. Leonor B. Neves diz:

    Acabei de abrir o Facebook por não ter mais nada que fazer. e dou de caras com esta notícia! Fiquei muito chocada como a Eduarda e Diana podem imaginar, e lamento imenso não ter sabido mais cedo e sido de algum auxílio (talvez não)
    Um abraço muito grande e muito apertado para as duas.

  11. Teresa Barroso diz:

    Estimada Eduarda,

    Soube hoje da noticia sobre o falecimento de Maria Letícia, e venho deixar um beijinho de pêsames extensivos à Diana.

    Um abraço

    Teresa Barroso

  12. Françoise Bourchenin diz:

    Conheci a Maria Leticia como a mãe da Eduarda e avó da Diana. Mais tive a sorte de a conhecer mais em particular porque ela aceitou de me dar explicações de português de graça. Ia a casa dela para descobrir e estudar os autores e a literatura portuguesa. Também, ela dava me redações a fazer em casa afim de aprender a escrever correctamente português. Fazia um grande esforço para escrever sem erros ortográficos. E sempre as minhas copias eram me devolvidas cheias de dicas para melhorar a minha expressão portuguesa escrita. Calculava o tempo que ela devia passar a corrigir e a paciência dela com a mudança de cor de tinta das ditas paginas escritas devolvidas. Foram momentos inesquecível. Acontecia frequentemente que os textos ou os livros que a Maria Leticia me recomendava eram livros de amigos ou amigas dela. Para mim sem duvida contribuíram para descobrir de uma maneira singular a língua e a cultura portuguesa. No fim das explicações, sempre me preparava um chá e as nossas conversas continuavam sobre a vida da Maria Leticia e do Mário e como se organizava a vida quotidiana para quem resistia ao regime salazarista e quem militava para uma sociedade portuguesa livre. Ainda hoje, estas lembranças são muito vivas e calorosas.

    Obrigada, Maria Leticia para tudo que me deu.

    Um grande abraço mandado de longe mais que se quer apertado para a Eduarda e a Diana.

    Françoise

  13. Alda Sousa diz:

    Eduarda e Diana

    Só hoje soube da morte da Maria Letícia.

    Para as duas, um imenso abraço amigo e solidário

    Alda Sousa

  14. Queridas Eduarda e Diana,

    Inexplicavelmente, só hoje soube da morte da Maria Letícia.
    Sinto-me deveras culpada por não ter sido mais atenta.

    Um grande abraço solidário para as duas

    julia coutinho

  15. Maria Filomena Pires Capelo diz:

    Foi sem dúvida, a professora Letícia (de quem tive a sorte de ser aluna duas vezes), a par coma professora vanda Gomes (de Matemática – no liceu D. Leonor) aquela que mais me marcou ao longo de toda a minha vida. Tive a felicidade de receber uma resposta linda, a uma carta que lhe enviei, aquando da sua reforma. Lembrava-se de mim. Como sempre quis ser professora, foi ela o meu modelo (até nas “bocas” que mandava aos meus alunos) de professora que se preocupa com TODOS os alunos mas que é exigente e impõe regras. Sempre disse aos meus alnos que a melhor metáfora de professor é “ser farol”. E a professora Letícia foi o meu farol. Ao procurar hoje o seu nome na net, descobri a sua partida. Morrem cedo aqueles que os deuses amam. E na professora Letícia a idade não conta. É sempre cedo. Mas será sempre eterna, por tudo o que semeou em quem quis aprender com ela, numtempo em que na turma éramos apenas números. Mas com a professora Letícia tínhamos nome. E eu era a menina Capelo. Tenho muito orgulho em ter sido sua aluna. E tenho ainda mais orgulho em saber que “naquele tempo” tive a capacidade de a ver para além da bata branca.

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