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Maria Letícia, professora: «Não me digam disparates, que eu trepo pelas paredes acima!»

No sábado, dia 14 de Novembro, às 16h00, no âmbito do ciclo «Escola, para que te quero?» teve lugar na Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, a conversa sobre Maria Letícia Clemente da Silva – Professora: «Não me digam disparates que eu trepo pelas paredes acima!», apresentada por Diana Dionísio que conheceu de perto o rigor da sua avó no que toca a aprendizagens (mas sempre e só depois do lanche). E, a avaliar pelo seu depoimento, não fazia por menos, esta mulher, no combate à ideia burguesa de mulher: esposa, mãe de família e basta, que para tudo o mais estava o homem. Assim a maior parte das suas contemporâneas, em número reduzido, as independentes pelo trabalho ou a frequentar universidades, como a Faculdade de Letras, onde Maria Letícia encontra o seu companheiro, Mário Dionísio.

Nascida em 1915, em Beja, mas cedo a viver em Lisboa, instruída pela mãe (que tirara um curso de magistério primário) e acompanhada no seu percurso pelo pai, trabalhador ferroviário que se fez advogado no combate a uma sociedade injusta – como a portuguesa que, nos anos quarenta, impediu a filha de exercer a profissão durante oito anos «por razões de ordem política» – Maria Letícia estudou no Liceu Camões e, em 1937, concluiu o Curso Superior de Piano do Conservatório Nacional e o Curso de Filologia Clássica.

Professora de Português e de Latim, estagiou no Liceu Pedro Nunes, deu aulas no Liceu de Santarém, e, em Lisboa, nos liceus Camões, D. Filipa de Lencastre e D. Leonor. Quando impedida de exercer nas escolas estatais, leccionou no ensino privado até lhe ser interdito em absoluto o exercício da profissão, do que se defendeu dando explicações particulares em casa (o que manteve ao longo da sua vida activa). Ela, que não se considerava uma «pessoa importante» (mas importante a sua acção), dos muitos documentos produzidos para as aulas, preservou poucos. Os que restam revelam-nos porém a vontade de não se ficar por um desempenho suficiente na função. Nos seus relatórios de docente – naquele que nos foi lido – ressalta a preocupação por um ensino melhor, atenta ao que encontra de positivo nos métodos das escolas francesas e inglesas. Sem dúvida, uma demanda exigente para o aluno por parte de quem afinal usufruíra de condições excepcionais na sua educação, mas uma exigência pela inteligência e pelo trabalho a que ela tivera também de corresponder, e que começa, antes do mais, no seu próprio trabalho enquanto professora, configurando todo um programa de vida e modo de ser.


O mesmo empenho revela-se em outras actividades que não se esgotam no ensino propriamente dito, como a colaboração numa curiosa secção do jornal A Capital, intitulada «Consultório Escolar» (mantida entre 1968 e 1969, com Maria Emília Coutinho Diniz, sob o pseudónimo Dinis da Silva); a autoria de livros escolares para o ensino do Português em pareceria com a filha, Eduarda Monteiro (Eduarda Dionísio), que marcaram (sobretudo o primeiro, de 1969) uma diferença no intuito pedagógico pela inclusão de textos de autores menos divulgados ou mesmo contemporâneos e de imagens que não as oficiosas, afectas ao regime e à ideologia então dominante; o trabalho desenvolvido na Comissão para a Reforma do Ensino, logo a seguir ao 25 de Abril; e, ainda, o rigoroso cuidado investido em revisões e traduções que fez, assinadas ou não, com nome próprio ou inventado pelo editor (Maria Letícia Dionísio).


Dos depoimentos feitos pelos presentes na sala, apesar dos poucos ex-alunos, fica ainda a ideia de uma professora atenta ao indivíduo e disposta ao diálogo nos intervalos das aulas, momento em que se tiram dúvidas e se fala também da actualidade, sobre a qual se mostra informada e interessada. Testemunhos também de quem conviveu entre professores nas escolas, antes do 25 de Abril, dando-nos conta da separação de género nos espaços (salas) reservados aos professores e às professoras e da acentuada hierarquização sentida pelos estagiários que não tinham direito a frequentar estes mesmos espaços, nem estatuto para serem directamente interpelados ou sequer terem voz ou opinião, no que Maria Letícia se distinguiu por ser dos poucos que não seguiu esta prática. Constrangimentos igualmente sentidos pelos alunos na comunicação com o professor, até no tirar dúvidas sobre a matéria ou sobre a linguagem dos manuais, levando em extremo à ideia de que estes livros eram para quem sabia e não para quem queria saber.

Durante a conversa, houve ainda várias remissões para os documentos que integram a exposição patente ao público sobre o percurso dos dois professores, Mário Dionísio e Maria Letícia Clemente da Silva, intitulada «Escolas: reaprender e ensinar», que está até 18 de Abril de 2016.

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