José Joaquim da Mota Pereira deixou-nos no passado dia 6 de Dezembro. Primo de Maria Letícia e grande admirador de Mário Dionísio, mais conhecido por Zeca, foi ele que tomou em mãos todos os trabalhos de contabilidade e tesouraria desde os tempos da fundação e legalização da associação, para as quais foi indispensável, e durante toda a vida da Casa da Achada, até 2023, pertencendo a todas as suas Direcções. Escusado será dizer que, sem ele, esta Casa não se tinha erguido nem mantido em pé.
Morreu Giuseppe Morandi, grande amigo da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio desde o seu início. Uma amizade que vem de trás, desde os anos 90, com Eduarda Dionísio, Vítor Ribeiro (Maçariku), Diana Dionísio e muitos outros que o conheceram entretanto.
Giuseppe Morandi foi um dos fundadores da Lega di Cultura de Piadena (em 1967 e que ainda hoje se mantém activa), associação amiga da Casa da Achada e cúmplice em inúmeras actividades, pensamentos, modos de “fazer” cultura, usar a memória, transformar a realidade em que vivemos.
Na Casa da Achada realizaram-se várias projecções dos seus filmes e mostras de fotografias suas, que dão conta das transformações da vida camponesa na região de Piadena (Lombardia, província de Cremona), e que acompanham as gentes que ali viveram e vivem, trabalharam e trabalham hoje. A sua acção e o seu trabalho cultural (e a da Lega di Cultura), simultaneamente artístico e documental, é de imenso valor, dando voz (e corpo, e imagem) às classes despossuídas, à cultura marginalizada e a um mundo camponês que tem muito a ensinar a quem quer pensar outras formas de viver e trabalhar.
A Casa da Achada esteve presente em muitas iniciativas da Lega di Cultura di Piadena, entre as quais a sua festa anual em que participámos muitas vezes. Fizemos edições conjuntas de filmes, discos e outros textos.
Giuseppe Morandi participou em várias conversas, debates e entrevistas (por exemplo na rubrica “Itinerários”, feita por Eduarda Dionísio) e escreveu textos para a Casa da Achada.
Sempre solidário, atento, disponível. Sempre partilhando a memória viva das pessoas, das vivências, das lutas, com uma atenção ao presente em mudança e um olhar perspicaz e singular que as suas fotografias revelam.
Sobre a forte relação com a Lega di Cultura e com este espantoso Giuseppe Morandi encontramos muitos dados importantes neste documento feito pela Eduarda em 2016:
A Casa da Achada – Centro Mário Dionísio reedita agora o único romance de Mário Dionísio, Não há morte nem princípio, editado pela primeira vez em 1969, pelas Publicações Europa-América, e há muito esgotado. A reedição de Não há morte nem princípio inclui um texto de Manuel Gusmão sobre este romance.
O lançamento acontece no sábado, dia 12 de Outubro, às 15h30, na Casa da Achada, com a participação de Cristina Almeida Ribeiro, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que nos vem falar do lugar de Não há morte nem princípio na narrativa de Mário Dionísio. De seguida, canta o Coro da Achada.
Parece mentira, mas já lá vão 20 anos de Leitura Furiosa em Lisboa!…
Este ano aconteceu no final de Maio e foram três dias muito especiais. Neste caso, quatro. Mas já lá vamos.
A Leitura Furiosa nasceu na Associação Cardan, em Amiens (França) e foi pela mão destes amigos que a ideia chegou a Lisboa. É um encontro incomum que junta pessoas habitualmente zangadas ou distantes da leitura e da escrita (e do mundo, de uma ou de outra forma) com um escritor.
Desse encontro nasce um texto que é ilustrado e apresentado numa sessão pública, em que se lêem e às vezes cantam os textos.
A Leitura Furiosa deste ano começou na manhã de Sexta-feira, dia 24 de Maio, com a ida dos escritores à Escola Gil Vicente, ao Conselho Português para os Refugiados e à Tílias Coop para se encontrarem com pessoas de lá. Conheceram-se, conversaram e almoçaram juntos. Depois o escritor foi para casa e escreveu as histórias que tinham surgido desse encontro. Fugindo um pouco ao que estava no calendário, outro escritor tinha-se encontrado na véspera com o grupo da Geração com Futuro, para articular melhor com os horários escolares das crianças que frequentam esta associação.
No Sábado, dia 25 de Maio, os quatro grupos e os escritores encontraram-se na Casa da Achada e reviram os textos. Os ilustradores ilustraram-nos, a tempo de almoçarem todos num restaurante ali ao lado.
Depois do almoço, os grupos e os escritores visitaram bibliotecas – Biblioteca do RDA49 e Biblioteca de São Lázaro – e livrarias – It’s a Book e Tigre de Papel –, para conhecerem melhor as casas dos livros. Nalguns sítios até encontraram livros do escritor que acompanhava o grupo.
No Domingo, dia 26 de Maio, estava pronta a brochura com os textos ilustrados de Lisboa, Amiens e Porto, onde habitualmente a Leitura Furiosa decorre em simultâneo. A zona pública da Casa da Achada encheu-se com as vozes dos actores que deram outra vida aos textos e com o público atento. Vieram os participantes, familiares e amigos e a tarde acabou com um lanche no quintal.
Para além do que é visível na apresentação pública de Domingo, a Leitura Furiosa cruza pessoas de vários mundos: tradutores, revisores e paginadores, ilustradores, actores, associações, escolas e outras organizações, bibliotecas e livrarias, crianças e mais velhos. Entre outros, este ano: pessoas da Escola Gil Vicente, com a escritora Julieta Monginho; do Conselho Português para os Refugiados, com o escritor Jacinto Lucas Pires; da Tílias Coop, com a escritora Serena Cacchioli; e da Geração com Futuro, com o escritor Alex Couto. Os ilustradores Dedo Mau, João Cabaço, José Smith Vargas e Rita Oliveira Dias e os actores Carla Bolito, Diogo Dória, F. Pedro Oliveira e Inês Nogueira.
Clicar na imagem para ver a brochura com os textos e ilustrações de Lisboa, Porto e Amiens:
No dia 4 de Janeiro morreu, inesperadamente, o Antonino. Grande amigo da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio e frequentador assíduo das actividades da associação, ele esteve connosco em tantos e tantos momentos, lendo, propondo, participando, escutando, ajudando a pensar. Leu contos de Mário Dionísio, apresentou «Livros das nossas vidas» (falou sobre e leu textos de Herman Hesse, Raúl Brandão, Antero de Quental) e participou em várias Leituras Furiosas e muitas outras conversas e sessões. Apresentou livros dele também, porque para além de actor e encenador (pelo que é justamente conhecido e reconhecido), também escrevia. Sobretudo poesia, mas não só. O seu último livro apresentado na Casa da Achada foi o original e surpreendente Opus 10, que deu uma viva discussão. Participou com entusiasmo em conversas sobre o futuro da Casa da Achada. Escreveu o texto de uma canção para o coro da Achada, «Filho da esperança», sobre o 25 de Abril. Deixou-nos subitamente, pouco depois de ter estado aqui na Casa da Achada no fim-de-ano com uma data de gente, lembrando a falta da Eduarda Dionísio (sua companheira no início dos anos 80, com quem tinha uma filha) e convivendo, cheio de vida, sempre atento e com sentido de humor. Ganhou a primeira rodada do bingo. Agora já não está cá. Nem parece verdade.
Deixámos de ver a Filomena Beja durante e depois da pandemia. Estava confinada. Circulavam emails para lá e para cá, mas não era a mesma coisa. Durante anos – na Abril em Maio e depois na Casa da Achada – a sua presença era assídua e contávamos com ela, a maior entusiasta da Leitura Furiosa em que participava escrevendo ou noutras múltiplas tarefas. De palestras sobre história, ciência, literatura, sobre as escolas como as conhecemos até às inúmeras conversas a partir de escritores de que gostava ou da sua própria obra. Gostar de livros e da leitura também incluía cuidar da biblioteca de Mário Dionísio e Maria Letícia. Esta sócia sorridente e bem disposta, assertiva mas capaz de escutar deixa muitas saudades. De uma escritora ficam palavras e nelas a sua voz.
AS NOSSAS EDIÇÕES ~ OUTROS LIVROS ~ AGENDA 2024 COISAS QUE SE FAZEM ~ CADERNOS PEQUENOS 3 ~ SERIGRAFIAS E OBRAS DE ARTE ~ DOCES, POSTAIS, LÁPIS E BUGIGANGAS ~ OFICINA DE PAPEL DE EMBRULHO ~ CONVERSA SOBRE A CRÍTICA ~ RETRATO(S) PARA UMA AMIGA ~ TERTULIAZINHA SOBRE O FUTURO ~ CORO ~ RÁBULA SURPRESA ~ LEILÃO DE ? ~ E AINDA… OS ROBERTOS DÃO TRAULITADA A QUEM AINDA NÃO PAGOU AS QUOTAS
𝐒𝐞𝐱𝐭𝐚-𝐟𝐞𝐢𝐫𝐚, 𝟏𝟓 𝐝𝐞 𝐃𝐞𝐳𝐞𝐦𝐛𝐫𝐨 18h30 – Lançamento de Cadernos Pequenos n.º3: «HÚMUS, de Raul Brandão, por Eduarda Dionísio»
𝐒𝐚́𝐛𝐚𝐝𝐨, 𝟏𝟔 𝐝𝐞 𝐃𝐞𝐳𝐞𝐦𝐛𝐫𝐨 11h00 – Oficina de carimbos para estampar papel de oferta
15h00 – Apresentação do caderno colectivo «Retrato(s) duma amiga», dedicado a Eduarda Dionísio
16h00 – Lançamento da Agenda 2024 «Coisas que se fazem», seguida de Troca de ideias, tertuliazinha com pensamentos para o ano que vem, na Casa da Achada e no mundo
18h00 – Leilão de não sei o quê, um leilão de coisas boas e óptimas, todas tão bem embrulhadinhas que só se descobre o que são… quando termina a licitação
19h00 – O coro desafi(n)a, com o coro da Achada
𝐃𝐨𝐦𝐢𝐧𝐠𝐨, 𝟏𝟕 𝐝𝐞 𝐃𝐞𝐳𝐞𝐦𝐛𝐫𝐨 15h00 – Bingonísio, um jogo de bingo feito de frases de Mário Dionísio
16h00 – A liberdade in-existe, uma rábula
16h30 – Ler a Crítica hoje, conversa sobre um periódico feito por Eduarda Dionísio, Jorge Silva Melo e outros. Com Luís Trindade, Francisco Frazão, Pedro Cerejo, Pedro Rodrigues e outros.
19h – Come-se a pele?, nas letras, voz e composição Patrícia Filipe, no baixo eléctrico, composição e vocais Filipe Leote
Foi com enorme tristeza que recebemos a notícia da morte de Manuel Gusmão, sócio-fundador da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio. Fará falta neste mundo a sua voz dissonante e a sua voz de poeta e também na Casa da Achada o seu pensamento crítico, rigoroso e atento.
Manuel Gusmão conheceu Mário Dionísio e escreveu sobre a sua obra literária. Em 1969, escreveu sobre o romance Não há morte nem princípio no Jornal de Letras e, já depois da sua morte, continuou a pensar sobre esse romance numa sessão na associação Abril em Maio em 2001. Em 2009 fez na Escola Secundária de Mafra a conferência «Unidade e diversidade no neo-realismo português: Soeiro Pereira Gomes, Carlos de Oliveira e Mário Dionísio.»
Na Casa da Achada, de cujo Conselho Consultivo fez parte, lançou o seu livro Finisterra: O trabalho do fim: reCitar a origem (Angelus Novus, 2010). Participou também em várias sessões da casa. Logo em Janeiro de 2010, orientou uma sessão de leitura e discussão do capítulo d’A paleta e o mundo «Um mundo dentro do mundo». Ainda nesse ano, falou novamente sobre o romance Não há morte nem princípio, numa sessão da rubrica «Mário Dionísio escritor», e o seu estudo «Não há morte nem princípio – Folhas do tempo que renasce e se ramifica» foi publicado em Mário Dionísio – Vida e Obra (CA-CMD, 2011). Em 2012, falou sobre Carlos de Oliveira, juntamente com Gastão Cruz, Nuno Júdice e Rosa Maria Martelo numa sessão da rubrica «Amigos de Mário Dionísio», com leituras por Antonino Solmer, Diogo Dória, Jorge Silva Melo e Luis Miguel Cintra e canções pelo Coro da Achada. Em 2016, participou no Congresso Internacional Mário Dionísio, de cuja comissão de honra fez parte, e onde fez a comunicação «Mário Dionísio e a arte de inventar a mudança».
Manuel Gusmão era também amigo de Eduarda Dionísio, com quem colaborou nalguns projectos, como a revista Crítica.
14.º aniversário da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio
Foram quatro dias de aniversário, entre 29 de Setembro e 2 de Outubro.
Tinha de ser, era preciso dedicá-los a Eduarda Dionísio, fundadora da Casa e impulsionadora principal do Centro Mário Dionísio, este arquivo vivo que uma associação cultural sem fins lucrativos põe em relação com o mundo e a sociedade de hoje. Preservando para divulgar, divulgando para dar a conhecer, dando a conhecer para estimular curiosidades, reflexões, estudos, acções. Um projecto de memória viva que ela pôs em movimento.
Claro que não era ocasião para grande festa. A tristeza imensa da morte de Eduarda Dionísio, em Maio passado, passou por aqui. Mas passou também uma quantidade enorme de amigos e amigas, de gente curiosa, de pessoas que quiseram ver uma nova exposição dedicada à Eduarda ou que quiseram homenageá-la em palavras e acções, ou simplesmente com a sua presença. Alguns amigos vieram de longe, de França, de Itália, do Porto, do Algarve… Para fazer tudo isto e dar força à Casa da Achada. Muitos novos amigos se fizeram. Estiveram à venda edições do Centro, mas também se venderam muitos livros da Eduarda que aqui tínhamos (e alguns ainda temos).
Na sexta 29, às 18h30, passaram-se dois filmes: um discurso inspirador de Eduarda Dionísio na abertura da Casa da Achada, em 2009 (sim, já passaram 14 anos!), em que ela conta como só foi possível pôr esta casa de pé com o trabalho de muitas pessoas e com a criação de condições para o seu arranque («Vamos vendo. Uma coisa assim depende de tanta, tanta coisa»); e, depois, um filme muito recente de estudantes de cinema, com realização de Nuno Cintra, com uma visão deles do que é hoje a Casa da Achada. Um filme dedicado também a Eduarda Dionísio. Antes dos filmes, Pedro Rodrigues e Rubina Oliveira falaram do sentido desta Casa e da programação deste aniversário. No fim dos filmes, houve tempo para beber um copo de moscatel e comer uma fatia de bolo que a Susana Baeta fez, tudo ao som de Jacinto Lucas Pires, que trouxe uma canção especial para a Eduarda.
No sábado, depois de um almoço calmo com vários amigos vindos de fora, muita gente passou por cá à tarde para a inauguração da exposição Eduarda Dionísio – materiais do arquivo Mário Dionísio – Maria Letícia, uma exposição feita com documentos existentes no arquivo, incluindo fotografias, livros, pinturas, gravuras, artes gráficas, textos e cartas, jornais e revistas em que a Eduarda escreveu. Exposição feita com pouco tempo e grande empenho de um colectivo formado para a ocasião.
A exposição foi apresentada por Diana Dionísio, e depois falaram alguns dos participantes na elaboração e montagem da exposição, entre os quais Cristina Reis, amiga de sempre de Eduarda Dionísio, que teve um papel importante na sua concepção e realização. Depois foi a vez de Catherine Dumas e Adelino Gomes falarem de Eduarda Dionísio e do que viram nesta exposição. Coisas que sabiam, mas também coisas que desconheciam e descobriram aqui. Intervenções quentes, de gente que não escondeu a sua admiração pela amiga, a escritora, a professora, a pintora, a amadora das artes gráficas, a fazedora, a crítica, a actriz, a dramaturga, a dinamizadora de projectos de intervenção cultural invulgares. Eduarda!
Ao fim da tarde apresentou-se o primeiro número dos Cadernos Pequenos, uma série de livrinhos com intervenções feitas na Casa da Achada (ou noutros lugares, por iniciativa da Casa). Esteve presente Luís Bigotte Chorão (autor da sessão que deu origem ao 1.º Caderno, sobre o segundo volume de Passageiro clandestino) e outras pessoas curiosas pela vida e obra de Mário Dionísio, e por isso a conversa fluiu naturalmente no jardim interior, à volta de Mário e da sua filha Eduarda, sobretudo, mas também de Maria Letícia Clemente da Silva. Em Outubro sairá já o Cadernos Pequenos n.º 2.
No Domingo dia 1 de Outubro, de manhã, às 11h, houve uma oficina bem concorrida, com mais de uma dúzia de participantes. A proposta de Regina Guimarães era encontrar “palavras que têm palavras dentro” e inventar palavras novas. Foi bonito ver tanta animação e debate à volta das palavras. E ver palavras novas a emergir de um mar de inquietações.
Depois do almoço (quase todos os oficinantes ficaram para comer), o coro cantou, lá dentro, na Zona Pública. Meia hora de canções intercaladas com pequenos textos de Eduarda Dionísio. A festa continuou lá fora, no terreno em frente da Casa, com a apresentação do Retrato(s) duma amiga, um caderno dedicado a Eduarda Dionísio com participações de dezenas de pessoas que fizeram artes gráficas ou escreveram textos e enviaram (algumas de longe) para a Casa da Achada. E depois houve tempo para intervenções de quem quisesse. Muita gente foi ao microfone dizer de sua justiça, da “sua” Eduarda. Com pessoas a emocionarem-se, tinha de ser.
Na segunda-feira dia 2, depois da habitual leitura d’A Paleta e o Mundo (há 14 anos que prossegue), houve à noite um filme muito especial com a presença do realizador: António José Martins. Ele veio apresentar o filme que realizou para a RTP – «Grande Plano de Eduarda Dionísio», um belo filme com a Eduarda ao centro, falando de si própria, das suas ideias, interesses e fazeres, e de tudo o que até 1988 tinha feito. Uma espécie de entrevista (quase) sem perguntas, que uma sala cheia ouviu com espanto. Que espantosa, esta Eduarda!
PS:
A Diana Dionísio escreveu uns versos para agradecer tantos amigos e fazedores que tornaram este aniversário possível e lhe deram sentido. Aqui ficam:
PARABÉNS parabéns por estes catorze a quem por aqui tem andado, feito, passado, presente tem sugerido, transformado, dado alento e em especial, neste 14º aniversário:
a quem anunciou a cada um que queríamos encontrar-nos não tarda a quem pediu e deu contribuições para um caderno para a Eduarda
a quem inventou um programa com conversas e sessões a quem telefonou e foi buscar livros, pessoas ou limões
a quem imaginou e opinou a quem arriscou e decidiu a quem depois de escolher o papel digitalizou, paginou e imprimiu
a quem escolheu documentos para uma exposição especial a quem caminhou desde as listas até à arte final
a quem viu e reviu fez passes-partouts e deu boleias a quem pôs a mesa ferrou as chaves e juntou ideias
a quem fez trabalho de sapa à frente dum computador a quem fez trabalho braçal até escorrer suor
a quem escolheu a palavra certa a quem mexeu muito bem a massa a quem chegou atrasado e substituiu quem queria ir p’ra casa
a quem transportou quadros e re-arrumou armários a quem por causa destes dias baralhou os seus horários
a quem montou bancas fez folhas de caixa, pintou letreiros a quem pensou em quantidades com as qualidades sempre primeiro
a quem veio de longe a quem veio do quintal a quem não pôde vir mas enviou um sinal
a quem segurou escadotes e a quem a eles trepou a quem arrancou camarões a quem os buracos tapou
a quem procurou legendas no mundo dos envelopes a quem teve pachorra até à fase dos retoques
a quem prendeu a anoneira com fio para que os ramos não se partissem e os seus frutos não chorassem como numa fábula de Da Vinci
a quem fez camas e aspirou o chão lavou cozinhas e casas-de-banho a quem abriu abraços aos nossos amigos fora do rebanho
a quem amassou, cortou ou transportou bolos de amêndoa, bolinhas de alheira a quem encomendou, gelou ou serviu cerveja e vinho, gelo e groselha
a quem lavou a loiça a quem fez os cartazes a quem provou que de falar com outros todos somos capazes
a quem girou chaves e manivelas para abrir grades e guarda-sóis a quem encheu o espaço com palavras e o tempo com sustenidos bemóis
a quem registou Amigos ou vendeu livros ao balcão a quem arrastou as sombras pra evitar uma insolação
a quem pôs ilhozes na lona que p’ra pendurar precisou de anilhas ou foi buscar molas para pendurar panos é preciso criar os dias
a quem esteve na sexta sala cheia de coração a quem encheu no sábado apesar da manif da habitação
a quem fez todo aquele domingo com cantos, comidas e tempo para dizer a quem esteve na segunda-feira porque quer mesmo saber
a quem fotografou e filmou a quem deu uma mão não programada a quem voltou a arrumar as cadeiras e apanhou as beatas da Rua da Achada
a quem contou as entradas e fez conta das saídas a quem desentupiu o ralo e cuidou das despedidas
a quem depois destes dias que nos deram novas pistas quer ver se faz sentido fazer a Casa da Achada nesta terra de turistas
A Casa da Achada organiza, a partir de sábado 30 de setembro 2023, uma exposição em torno da Eduarda Dionísio, que realçará a multiplicidade dos domínios em que ela pensou, transmitiu, criou e interveio.
Nesse quadro será apresentada uma obra colectiva produzida por todos nós em conjunto! Imaginemos que, no passado 22 de Maio, um espelho bruscamente nos tivesse escapado das mãos, quebrando-se em mil estilhaços. Imaginemos também que, nesses muitos estilhaços, nós inscrevêssemos, cada uma e cada um à sua maneira, uma memória da nossa amizade pela Eduarda, e que esses bocados fossem, de seguida, colados uns aos outros.
Concretamente, propomos a cada uma e cada um, recriar, numa folha A4 (21 x 29,7 cm), um momento marcante vivido com a Eduarda. O vosso contributo pode assumir a forma que vos aprouver: desenho, colagem, poesia, texto, fotografia, notas de música…-, mas, ao invés dos discursos elogiosos e dos depoimentos inspirados pela estima, será radicalmente pessoal.
Depois bastará enviar ou entregar, o mais cedo possível, antes da segunda-feira 25 de Setembro, a vossa folha A4 a:
a/c Céu Duarte Casa da Achada – Centro Mário Dionísio Rua da Achada, 11 1100-004 Lisboa (Portugal)
A Casa da Achada encarregar-se-á de reunir os contributos sob o título Retrato(s) duma amiga. Os visitantes poderão consultar a recolha de contributos, junto à qual haverá folhas de papel e lápis para quem deseje fabricar a sua participação in loco.
La Casa da Achada organise à partir du samedi 30 septembre 2023 une exposition autour d’Eduarda Dionísio, qui mettra en valeur la multiplicité de sa création.
À cette occasion sera présentée une œuvre collective, que nous tous, nous aurons produite ensemble ! Imaginons que le 22 mai dernier, un miroir nous ait soudain échappé des mains pour se briser en mille morceaux. Imaginons encore que nous inscrivions sur ces éclats, chacune et chacun à sa manière, un souvenir de notre amitié avec Eduarda, et qu’ils seraient ensuite recollés ensemble.
Concrètement, nous vous proposons de recréer, sur une feuille A4 (21 x 29,7 cm), un moment marquant que vous avez vécu avec Eduarda. Votre contribution pourra prendre n’importe quelle forme : dessin, collage, poésie, texte, photo, notes de musique… mais, au contraire du discours élogieux ou du témoignage d’estime, elle sera très personnelle.
Il suffira ensuite d’envoyer ou d’apporter, dès que possible et au plus tard le lundi 25 septembre, votre feuille A4 à :
a/c Céu Duarte Casa da Achada – Centro Mário Dionísio Rua da Achada, 11 1100-004 Lisboa (Portugal)
La Casa da Achada se chargera de réunir les contributions sous le titre Retrato(s) duma amiga (en français, Portrait(s) d’une amie). Les visiteurs de l’exposition pourront consulter ce recueil, accompagné de feuilles de papier et de crayons pour qui souhaiterait fabriquer sa contribution sur place.
Da sabato, il 30 settembre 2023, la Casa da Achada propone una mostra su Eduarda Dionisio, che metterà a fuoco la molteplicità di ambiti in cui ha pensato, ha trasmesso, ha creato e è intervenuta.
In questo contesto, verrà presentato un lavoro collettivo prodotto da tutti noi insieme! Immaginiamo che il 22 maggio, uno specchio ci sia all’improvviso sfuggito dalle mani frantumandosi in mille pezzi. Immaginiamo anche che in questi tanti frammenti inscriviamo, ognuno a modo suo, una memoria della nostra amicizia con Eduarda, e che poi questi pezzi vengano incollati insieme.
Più concretamente, proponiamo a ciascuna e ciascuno di ricreare, su un foglio A4 (21 x 29,7 cm), un momento significativo vissuto con Eduarda. Il vostro contributo può assumere qualsiasi forma – disegno, collage, poesia, testo, fotografia, note musicali… – ma anziché discorsi elogiativi e testimonianze di stima, si tratterà di un contributo radicalmente personale.
Successivamente, basterà inviare o consegnare il foglio A4, il più presto possibile, entro lunedì 25 settembre, a:
a/c Céu Duarte Casa da Achada – Centro Mário Dionísio Rua da Achada, 11 1100-004 Lisboa (Portugal)
La Casa da Achada raccoglierà i contributi sotto il titolo “Retrato(s) duma amiga” (in italiano, Ritratto/i di una amica). I visitatori potranno sfogliare la raccolta di contributi, accanto alla quale ci saranno fogli e matite per coloro che vorranno fabbricare il proprio contributo in loco.
Em Lisboa, no Porto e em Amiens, os dias 16, 17 e 18 de Junho são dias de Leitura Furiosa
A Leitura Furiosa é um acontecimento anual, imaginado e levado a cabo pela Associação Cardan (Amiens, França), que acontece há 31 anos em simultâneo em várias cidades de alguns países. Destina-se aos que, mesmo sabendo ler, estão zangados com a leitura. Durante três dias, escritores (e também ilustradores, actores e músicos) estão «ao serviço» de pessoas que, pelas suas condições de vida, não tiveram acesso ao prazer de ler ou foram dele afastados.
A ideia nasceu em 1992, em Amiens, França, quando a Associação Cardan – que luta contra a iliteracia – não conseguiu «convencer as pessoas zangadas com a leitura a sentirem-se em casa numa feira do livro». Pensaram, então, num momento de encontro literário onde essas pessoas fossem o elemento fundamental, sem servirem de «mais-valia» aos escritores ou aos organizadores.
O encontro começa na sexta-feira, dia 16, dia em que 6 pequenos grupos de pessoas que integram o Conselho Português para os Refugiados, a Cooperativa Bandim, o grupo de alfabetização da Associação de Residentes do Alto do Lumiar (ARAL), o Grupo de Jovens da ARAL, o grupo de membros da Zona de Intervenção Cultural e a Escola Básica do Castelo se encontrarão com um escritor ou uma escritora, com quem passarão o dia. Participam na edição lisboeta os escritores Alex Couto, Jacinto Lucas Pires, João Paulo Esteves da Silva, Julieta Monginho, Paola d’Agostino e Serena Cacchioli.
No segundo dia, o escritor volta a encontrar-se com o grupo, apresentando um texto que terá escrito na noite anterior. Depois de o discutirem e de almoçarem em conjunto, o grupo e o escritor visitam um local onde há livros – uma livraria, uma biblioteca (a livraria It’s a Book, a biblioteca Maria Keil, a biblioteca municipal das Galveias, a livraria Tigre de Papel, a biblioteca municipal de São Lázaro). Enquanto o fazem, os textos serão ilustrados por Carlos Quitério, João Cabaço, Mantraste, Pierre Pratt, Rita Oliveira Dias e Nadine Rodrigues, e serão compilados, traduzidos do francês (os que vierem de Amiens) e paginados, para construção de uma brochura.
No domingo, dia 18, terceiro dia do encontro, os textos são tornados públicos às 15h30 na Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, numa sessão de leitura e música, para a qual estão todos convidados. A sessão conta com a participação dos actores Carla Bolito, Diogo Dória, F. Pedro Oliveira, Inês Nogueira, José Manuel Mendes, Marina Albuquerque e dos músicos Pedro e Diana, que musicarão alguns dos textos. A brochura com os textos e as ilustrações será distribuída a todos os participantes, que, de uma maneira ou de outra, se encontrarão nela. Mesmo quem está zangado com a leitura pode entrar, querendo ou não querendo, na literatura que os leitores costumam ler e que os zangados com ela poderão ler também.
Na segunda-feira dia 22 de Maio morreu Eduarda Dionísio, vítima de um cancro de pulmão. Ainda não tinha completado 77 anos.
É uma perda enorme para todos e para a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, associação por si idealizada, fundada e onde fez tanto e com tanta gente. Ela foi o motor, as mãos, a inteligência, a inspiração, a crítica, a imaginação, a memória. Durante muito tempo, ao lado do seu companheiro Vítor Ribeiro, o Maçariku.
Da sua cabeça e do seu esforço saíram dezenas de actividades, exposições, projectos, convites a pessoas, ideias, edições, trabalhos de arquivo e divulgação. A lista é interminável.
Saíram também livros seus, como Francisco Castro Rodrigues – Um cesto de cerejas – conversas, memórias, uma vida, com organização, introdução e notas de Eduarda Dionísio (edição da Casa da Achada em 2009).
Actualmente, a Eduarda estava a preparar a edição do 5.º e último volume do diário inédito de Mário Dionísio, Passageiro Clandestino. Não pôde terminar esse trabalho. Foram editados (entre 2021 e 2023) os primeiros quatro volumes deste diário, todos eles acompanhados de volumes autónomos de notas escritas por ela. Essas notas, para além de contextualizarem o texto de Mário Dionísio, são um trabalho de investigação precioso para a história do século XX português, com o seu olhar, o seu rigor e o seu sentido crítico.
É impossível dizer em poucas palavras o que foi e o que fez esta mulher extraordinária. A Eduarda gostava que as coisas fossem úteis, protestava contra o desperdício de materiais, de esforços e ideias. Todo o seu trabalho associativo tem a ver com quebra de barreiras: entre leigos e os especialistas, entre amadores e profissionais e entre classes sociais diferentes. Derrubar as barreiras, também, entre o pensar e o fazer, propondo sempre que juntássemos acção e pensamento, mãos e cabeça. “Viva a liberdade, dentro e fora da cabeça”, dizia uma camisola feita na Abril em Maio, associação onde circulavam ideias, objectos, textos, filmes, artes e artesanatos contra as lógicas culturais mercantis. Fazedora incansável em mil disciplinas diferentes (escrever, ensinar, pintar, fazer artes gráficas, editar, intervir, investigar…), a Eduarda valorizava os saberes-fazer, as técnicas, as sabedorias que extravasam os currículos académicos, as formas diferentes de nos relacionarmos como seres humanos, de viver e pensar o mundo (livremente!) e as possibilidades de o transformar. Outra barreira ainda a superar: ser capaz de alargar as fronteiras do possível, contra o “sempre foi assim”, coisa que ela combateu com todas as suas forças. Porque pensava que tudo podia ser de outra forma. Por isso fez amizades pelo mundo inteiro com gente que partilhava, de uma forma ou de outra, esta atitude crítica, solidária, transformadora.
Uma biografia (impossível e incompleta)
Eduarda Dionísio nasceu a 6 de Junho de 1946 em Lisboa. Estudou no Liceu Francês e depois na Faculdade de Letras de Lisboa onde se licenciou em Filologia Românica.
Participou nos movimentos estudantis antes do 25 de Abril. Fez parte do Grupo de Teatro da Faculdade de Letras (1969, com Jorge Silva Melo, Luís Miguel Cintra e outros). Em 1968, aos 22 anos, publicou, com Almeida Faria e Luís Salgado de Matos, o livro Situação da Arte, resultado de um inquérito feito a artistas e intelectuais portugueses. Em 1971 fundou com Jorge Silva Melo o jornal Crítica. Em 1972 editou o seu primeiro romance, Comente o Seguinte Texto:. Escreveu depois várias obras literárias, romances e muitas outras de difícil catalogação, como o importante livro sobre a cultura em Portugal Títulos, acções e obrigações – sobre a cultura em Portugal – 1974-1994.
Foi professora de Português no ensino secundário durante grande parte da sua vida (Liceu Camões, Escola Secundária da Cidade Universitária, Escola Gil Vicente). Foi militante nas escolas, delegada sindical, dirigente sindical (77/78), fundadora do núcleo de professores do Movimento de Esquerda Socialista (onde esteve até Dezembro de 75), fundadora da CEC — Contra a Escola Capitalista — que reunia dezenas de professores sem partido e cuja actuação excedia a actividade sindical.
Foi tradutora, artista plástica e crítica literária. Escreveu para vários jornais e revistas em épocas diferentes (Seara Nova, Diário de Lisboa, jornal Combate e muitos outros). Participou, como independente, na campanha eleitoral do PSR ao Parlamento Europeu de 1987.
Dedicou-se ao teatro, tendo sido actriz, dramaturga, cenógrafa, etc. (Faculdade de Letras, Teatro da Cornucópia, Teatro O Bando, Contra-Regra, que fundou com Antonino Solmer). Traduziu textos de Shakespeare, Brecht ou Heiner Müller, e fez vários trabalhos de dramaturgia, como Dou-Che-Lo Vivo, Dou-Che-Lo Morto (co-autoria com Antonino Solmer), a partir de textos de Camões, ou Primavera Negra, colagem de textos de Raul Brandão. Escreveu, a pedido de Adriano Luz, Antes que a Noite Venha, os monólogos de Medeia, Antígona, Julieta e Castro nas vozes de quatro mulheres da noite, peça levada à cena em 1992 na Cornucópia.
Foi uma das fundadoras da Associação Abril em Maio, em 1994, associação com importante intervenção cultural até 2005, inspirada na memória do movimento popular da revolução portuguesa, onde realizou centenas de actividades, encontros e edições. Em 2006 esteve no projecto do jornal PREC (Põe Rapa Empurra Cai, que teve apenas 3 números), edição que paginava com Vítor Silva Tavares e à volta da qual se realizaram várias séries de encontros, debates e conversas sobre arte, política e sociedade. Em 2008 fundou, com uma série de amigos, alunos, e familiares de Mário Dionísio (ou estudiosos da sua obra) a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, arquivo vivo e associação cultural com intervenção diversificada, dedicada antes de mais à divulgação da vida e da obra do seu pai, Mário Dionísio, e da sua mãe, Maria Letícia Clemente da Silva.
No sábado, 22 de Abril, às 15h30, inaugurámos uma nova exposição de pintura e desenho de Mário Dionísio: «Pintarei, pintarei, queiram ou não». Nas paredes da zona pública da Casa da Achada estão agora quadros e desenhos de Mário Dionísio dos anos 40 aos anos 90 do século XX. Uma pequena imagem de um longo percurso de pintura de um homem que por ela se apaixonou e dela fez uma actividade incessante de pesquisa de cores e formas, desde os primeiros quadros figurativos até à espantosa produção abstracta que começou com uma «visita inesperada» (assim se chama o seu primeiro quadro abstracto, de 1963, que também está exposto). Diana Dionísio apresentou a exposição, sublinhando a forma como ela é feita na Achada, a muitas mãos e com rigor, mas longe das lógicas expositivas institucionais (assentes na especialização, na hierarquização do trabalho, no marketing, etc.) e Inês Nogueira leu textos e poemas do poeta-pintor, muito a propósito.
Na mesma tarde de dia 22 foi lançado o 4.º volume de Passageiro Clandestino, o diário de Mário Dionísio até agora inédito. Fruto de um trabalho monumental de Eduarda Dionísio, a edição é acompanhada de livros de notas (neste volume são dois!) que permitem contextualizar e perceber melhor tudo o que ali se conta e se pensa (pessoas, lugares, acontecimentos). Este volume vai de 1974 a 1980, sendo um documento valioso para perceber o processo revolucionário português e aquilo que se lhe seguiu. Encheu-se a sala de gente para falar deste volume, com intervenções de umas 17 pessoas que tinham lido e que escolheram uma “entrada” do diário para a ler e comentar. Interessante encontro em que a variedade de temas (política, arte, educação, RTP – onde Mário Dionísio foi, por um tempo, director de programas, para além de questões mais íntimas e dilemas “existenciais” que também se podem encontrar neste riquíssimo diário). Foram duas horas de conversa, com intervenções variadas, por vezes discordantes e questões muito pertinentes de muitos, tivessem ou não lido já este volume IV.
No dia 23 de Abril houve no pátio interior da Casa uma animada oficina para miúdos e graúdos. Vieram 25 pessoas fazer faixas e cartazes com versos de canções. José Smith Vargas, que orientou a oficina, trouxe até um gira-discos e LPs para irmos escutando música e escolhendo os versos mais adequados às lutas que aí estão e aos combates por vir. Voaram tintas, lápis e marcadores por papéis, cartolinas e tecidos. E deixaram marcas que nos lembram que, como diz o Zeca Afonso na sua canção «Papuça», «a revolução é pra já». Assim se chamava a oficina, aliás. Muitos cartazes ficaram à espera de ser levados à manifestação do 25 de Abril. E foram mesmo.
No dia 24 estivemos das 16h até para lá da meia noite no Arraial do Carmo, no Largo do Carmo, ali na outra colina. Montámos banca e estivemos a apregoar livros e autocolantes, a mostrar e a vender t-shirts e textos e postais da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio. E ainda vendemos alguns. O mais interessante, para além da música que se podia ouvir, foi falar com tanta gente que por ali passou, de todas as idades e feitios e medidas. E também se cantou, pois claro.
No dia 25 já não é surpresa a multidão de gente que vai ao fim da tarde ter à Casa da Achada para conviver, conversar, beber um copito, comer um salgado.
E que também pôde ouvir às 18h um texto de Regina Guimarães, lido por João Rodrigues e F. Pedro Oliveira. Pusemos uma vinte cadeiras, mas de repente estavam umas cinquenta pessoas. Toca a puxar mais cadeiras e mesmo assim estava gente em pé.
Depois, lá fora, com uma multidão que pôs o Largo da Achada cheio que nem um ovo, foi difícil arranjar espaço para as pessoas que fizeram a Kantata do Tecto Incerto mostrarem um excerto do espectáculo, a propósito do lançamento de um CD com a Kantata cantada na íntegra (que acompanha o libreto) ali mesmo no Largo da Achada (já passou quase um ano!).
Ainda vieram depois o coro e o grupo de teatro comunitário da Casa da Achada com leituras e canções. E ainda surgiu a inevitável «Grândola, vila morena» cantada por toda a gente que enchia («nunca vi aqui tanta gente assim», ouvia-se dizer), enchia mesmo o Largo e as escadas por aí abaixo, por ali a cima.
Houve quem fosse espreitar a exposição ou ler um bocadinho do «25 de Abril ao ar livre», a exposição sobre o 25 de Abril que estava em versão “pobre”, em papel, no Largo, mostrando um pouco de tudo o que mudou depois do 25 de Abril. Mudou tudo, mas está tudo por mudar.
Houve conversas participadas, cantorias, visitas comentadas à exposição, 12 prémios sorteados para 11 vencedores (temos uma amiga com sorte, que ganhou duas vezes), uma oficina onde se fizeram 17 carimbos diferentes, duas rábulas de chorar a rir e o melhor de tudo: muitos encontros.
Pusemos à venda livros velhos e novos, cedês, objectos bonitos, cadernos, jogos, cartazes, coisas que se comem, etc, etc.
Infelizmente, devido a um cartão de memória defeituoso, perdemos a maior parte das fotografias que tirámos. Mas temos estas, que partilhamos convosco.
Na tarde de quinta-feira dia 8 o Frederico Mira George, que também é pintor, preparou uma visita comentada à exposição «Como esta mão, que segura ou se prolonga no pincel» em que nos aguçou as curiosidades e fez ver as cores dos quadros de outra maneira…
Depois houve uma conversa muito participada (mas difícil!) sobre «A intervenção cultural contra os autoritarismos». Fica um agradecimento especial ao João Baía, à Inês Sapeta, ao António Redol, ao Tito Basto, ao Toni, ao Manuel Deniz, ao Claudio Carbone, ao Luiz Rosas e ao Mário Rui Pinto, que prepararam intervenções para esta discussão de quinta-feira à tarde. E a todas as outras pessoas que participaram!
No sábado, dia 10, o coro cantou canções que nunca tinha apresentado em público. E intercalou-as com pequenos textos que também se podiam ler em folhas volantes ilustradas pelo Mateo Vidal.
Ainda nesse dia conversámos com vários fazedores da Agenda Pintalhona 2023: gente da Associação Desportiva e Recreativa O Relâmpago, da Associação Sirigaita, do Pintalhão (casa do Porto que teve a ideia e a levou a cabo) e da Casa da Achada trocaram ideias e histórias sobre como foi fazer este objecto em conjunto, criando ou fortalecendo laços de companheirismo e cumplicidades à distância.
No domingo aprendemos com a Catarina Carvalho uma técnica simples de fazer carimbos com materiais baratos. E usámos alguns para pintar t-shirts. Ficaram uma beleza!
Também no domingo Anota de Rodapé (pseudónimo especial para a ocasião de Diana Dionísio) guiou-nos pela exposição «Como esta mão, que segura ou se prolonga no pincel», dando nota de todas as notas em falta, e que se encontram no Passageiro Clandestino III. Informações que nos fazem ver melhor a pintura de Mário Dionísio.
Obrigada a toda a gente que ajudou a fazer em comum estes dias incomuns. Foram muitas as pessoas que aproveitaram a ocasião para comprar um presente ou fazer-se amigo da Casa da Achada. Obrigada a todas elas!
Foi no domingo 20 de Novembro que estivemos a ouvir este belo programa feito pela Serena Cacchioli propositadamente para esta sessão de escuta na Casa da Achada, sobre Ferreira Gullar e o seu poema sujo.
Soubemos que houve quem quis vir a esta sessão e não conseguiu… e resolvemos publicá-lo, para ainda poder chegar a mais uns ouvidos.
Ouvido de Tísico nº 36: OIÇA GULLAR!
Um podcast realizado por Serena Cacchioli sobre o poeta brasileiro Ferreira Gullar e o seu «poema sujo», pela voz dele próprio e através das vozes de Andrea Ragusa, Itamar Assumpção, Mariana Varela, Rosalvo Acioli Júnior, Tony Scott…
Nas
sessões «Ouvido de Tísico» a proposta é escutar. Fácil? Difícil? Num
mundo que nos quer entupir os ouvidos, nós queremos continuar a fazer
cócegas ao caracol. Ouvir-se-ão textos de vários autores, saladas
musicais, documentos desencantados do Centro de Documentação da Casa da
Achada, discos do princípio ao fim, entrevistas, enfim, de tudo um
pouco. Pode-se ouvir de pé ou sentado, sentado ou deitado. Pode ouvir-se
de olhos fechados ou abertos, abertos ou semicerrados. Pode-se desenhar
enquanto se ouve, ou escrever, ou não fazer mais do que… ouvir.
Obrigado a toda a gente que veio celebrar connosco o 13º aniversário da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio. Foi um fim-de-semana à roda dos amigos, dos quadros da nova exposição, dos poemas, dos livros, das conversas e discussões a propósito do diário de Mário Dionísio e sobre o que é o popular. À roda também das canções, umas previstas, outras espontâneas, e até à roda da sorte!
Alguns dos nossos amigos da Lega di Cultura di Piadena vieram de Itália de propósito para festejar connosco a vida da Casa da Achada, os amigos do CACAV atravessaram o Tejo e ofereceram-nos poemas e músicas, e tanta outra gente veio de tantas partes para nos desejar mais anos de vida. Foi muito bom ver-vos!
Obrigado também a quem pôs as quotas de amigo em dia, quem comprou as nossas edições, quem fez donativos, quem trouxe comidas e outras coisas para vendermos. É pela mão dos seus amigos que a Casa da Achada se mantém de pé!
O livro de poemas de Mário Dionísio, Memória dum pintor desconhecido, publicado em 1965, acaba de ser traduzido para francês por Regina Guimarães. Aqui podem encontrar a tradução:
Chegámos quase ao fim de uma caminhada que começámos há anos, quando surgiu a vontade de fazer uma nova «kantata», à semelhança do que foi em 2013 a Kantata de Algibeira (ver aqui).
A ideia era a criação colectiva de um espectáculo, um coro
de vozes, construído por quem não está acostumado a ter voz, que desse a ouvir
as suas inquietações, reflexões e propostas sobre os problemas da habitação, neste
mundo em que as cidades se transformam em tabuleiros de Monopólio.
A busca por financiamentos que não chegaram atrasou o
arranque dos trabalhos. Até que, no fim de 2020, um crowdfunding que teve a participação de cerca de 200 pessoas nos
deu novo alento.
Infelizmente, novas peripécias nos esperavam: primeiro, a
pandemia do COVID, que tudo paralisou; depois, a morte de Margarida Guia,
pessoa fundamental para a realização da anterior Kantata d’Algibeira e que teria também em mãos a construção desta
nova Kantata do Tecto Incerto.
Fomos assim obrigados a reinventar o projecto. Reunimos uma
equipa um pouco diferente da inicialmente pensada e reagendámos os trabalhos.
Em Fevereiro de 2022 demos início a uma série de encontros
entre Luiz Rosas (da associação Cardan, de Amiens, que combate a iliteracia e
cuja Philharmonique des mots inspirou
estas kantatas) e pessoas variadas,
afectadas por problemas de habitação. A partir das conversas geradas, Regina
Guimarães (autora também do texto da Kantata
d’Algibeira) escreveu um libreto.
Em Abril, começaram novos encontros entre algumas daquelas
pessoas e ainda outras, sem experiência de palco, que, orientadas pelos
trabalhos de música e de cena de Nicolas Brites, Pedro Rodrigues e João Caldas,
se envolveram num processo que culminou, em Julho, com a apresentação da Kantata do Tecto Incerto, primeiro no
Teatro S. Luiz, depois no Largo da Achada. Foi ainda apresentada uma fatia da Kantata na associação Sirigaita.
Esta caminhada ainda não chegou ao fim. Por estes dias, a
Casa da Achada está a preparar uma exposição sobre o processo de construção Kantata do Tecto Incerto, que inaugurará
no fim do mês de Julho. Para além disso, o grupo de pessoas que a fez está a
avaliar a possibilidade de poder voltar a reunir-se para novas apresentações a
partir de Setembro.
A Casa da Achada – Centro Mário Dionísio deseja mais uma vez
agradecer a todos os que tornaram a Kantata
do Tecto Incerto possível. Aos sócios e amigos da Casa da Achada que
tiveram esta vontade, que desenharam e redesenharam planos, que montaram e
ajudaram a divulgar a campanha de crowdfunding,
que propuseram a participação de outros amigos, que trabalharam,
voluntariamente, para a realização desta ideia. A todos os que participaram,
financeiramente, no crowdfunding que
tornou possível a remuneração de alguns dos trabalhos de criação e o pagamento
das despesas de produção. Ao Teatro de S. Luiz que acolheu a estreia do
espectáculo. Finalmente, àqueles que meteram mais as mãos na massa da Kantata: Luiz Rosas, Regina Guimarães,
Nicolas Brites, Pedro Rodrigues, João Caldas, Catarina Carvalho, que se
encarregou de toda a produção, Inês Nogueira, que deu uma “mãozinha” na voz; a
todos aqueles que participaram nas conversas e encontros desta caminhada; e aos
que subiram à cena: Alessandra Esposito, Ana
Baltazar, Ana Gago, Ana Mourão, Ana Paula Silva, Anabela Cardoso, Antonio Gori,
Artur Pispalhas, Camille Bourdeau, Carla Costa, Carla Pinheiro, Carlos
Quintelas, Clara Amaro, Clara Pelotte, Cláudia Oliveira, Fernando Afonso,
Fernando Chaínço, Françoise Bourchenin, Ilda Feteira, Jesús Manuel, João Neves,
Jorge Aurélio, Jorge Ramalho, Julia Geiger, Leonor Domingos Antunes, Maria
Gomes, Maria João Costa, Marlisa Conceição, Olga Germano, Paula Silva, Pedro
Ferreira, Raquel de Castro, Rosa Santos, Rosário Conceição, Rubina Oliveira,
Susana Baeta, Susana Domingos Gaspar, Teresa Mamede, Teresa Valério.
OBRIGADO ao Renato Roque e ao Frederico Mira George pelas duas belas exposições de fotografia e de pintura que inaugurámos no dia 23, sábado.
Foi bom estar à conversa com eles sobre pintura e fotografia, sobre os tamanhos, as cores, os modos de fazer e as ideias das artes. Alguém disse que criar é sempre «a partir de…», neste caso com artes plásticas que brotam da escrita de Carlos de Oliveira e de Mário Dionísio. Encontros de amizades antigas e de hoje. Já agora OBRIGADO também a quem pôs estas exposições de pé desmontando, montando, medindo, furando, pintando, colando.
OBRIGADO a todos os leitores atentos do terceiro volume do Passageiro Clandestino de Mário Dionísio que, na tarde de domingo 24, nos deram vontade de ler também esta nova edição, mais uma vez profusamente anotada por Eduarda Dionísio. Em particular a António Pedro Pita, Luís Bigotte Chorão, Luís Crespo de Andrade, Natércia Coimbra, Raquel Henriques da Silva, Luís Ricardo Duarte e Manuel Nunes que no fim leu um poema de Mário Dionísio em que a protagonista é a máquina de escrever. Leiam este Passageiro Clandestino e vão perceber!…
OBRIGADO ao Coro e ao Grupo de Teatro Comunitário da Casa da Achada que fizeram um espectáculo sobre o 25 de Abril com palavras, músicas e até cartazes feitos à mão… E tanta gente a ver e a cantar também!
OBRIGADO aos CASAL DO LESTE que ofereceram um concerto fora do vulgar. Terá sido punk neo-realista, rock libertário ou pop literário? Certo ´é que fez faíscas no corpo e na cabeça das mil pessoas que por ali passaram.
OBRIGADO também a quem preparou terreno, tratou de comidas e bebidas, a quem ajudou em tudo e mais alguma coisa e fez com que fosse um momento transbordante de encontros e reencontros.
25 de Abril sempre! Vê-se agora melhor o mais distante?
Durante o mês de fevereiro, ouvimos muitas pessoas e grupos de pessoas sobre habitação e direito à cidade. Essas palavras alimentaram a escrita de um texto pela Regina Guimarães.
Estamos agora a convidar as pessoas que o inspiraram e outras interessadas neste projecto para um novo encontro, a fim de começarmos a conhecer e explorar esse texto. Podemos mesmo chamar a esse ajuntamento primeiro ensaio da Kantata do Tecto Incerto! Terá lugar já no próximo domingo, dia 10 de abril, às 17h na Casa da Achada.
Este será o primeiro de vários encontros para trabalhar o texto, experimentar sonoridades com os nossos músicos e ensaiar a metamorfose dessas matérias em cantata*. Pode-se aparecer sem compromisso, mas o agendamento do processo de trabalho que imaginámos é o seguinte: dois ensaios semanais (um à quinta-feira à noite, outro ao sábado à tarde), de maneira a que as pessoas possam vir pelo menos a um deles por semana, durante os meses de Abril, Maio e Junho.
Em Abril
haverá algumas variações em relação a este calendário e os ensaios, em
princípio, serão só nestes dias:
– Domingo 10 abril 17h – 19h – Sexta 15 abril 20h30 – 23h – Sábado 16 abril 16h – 19h – Quinta 28 abril 20h30 – 23h – Sábado 30 abril 18h – 21h
Vem e traz
aquela pessoa a quem participar nisto connosco faria mesmo bem!
* Palavra de origem italiana que designa uma composição vocal, por vezes coral, religiosa ou profana, e compreendendo, em geral, vários andamentos.
A perda é
tremenda para a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, de que foi fundador em
2008, a cujos corpos gerentes pertenceu, e que ajudou a construir escrevendo
textos, participando em conversas e debates, apresentando filmes, dando ideias.
Jorge Silva Melo foi aluno de Mário Dionísio no Liceu Camões – ver aqui um dos textos que escreveu sobre como isso o marcou. Leu textos de Mário Dionísio em voz alta. Escreveu sobre a sua obra. Fez o Prefácio a Poesia Completa (2016). Conviveu com o professor que admirava, em diversas ocasiões.
Grande amigo de Eduarda Dionísio, que esteve com ele em vários projectos colectivos. Entre eles, a viagem colectiva de estudantes ao Festival de Teatro de Avignon (1968), o Grupo de Teatro da Faculdade de Letras (1969), a revista Crítica (1971-1972), a campanha eleitoral do PSR (como independentes) para o Parlamento Europeu e o jornal «Combate» (1987), a fundação da Abril em Maio – associação cultural (1994), além da Casa da Achada-Centro Mário Dionísio.