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Notícias com a tag ‘poema/quadro’

 

6 de Janeiro de 2022

Este poema de «Le feu qui dort» levou-nos a Joan Miró: uma pintura intitulada A cobra com papoilas andando sobre um campo de violetas povoado por lagartos enlutados


54.
Por muito que gritemos vitória
sobre as fraquezas pretensamente
irrisórias

Sob as flores cilada da curva da estrada
a nossa víbora
torturada torcionária
aguarda

(trad. de Regina Guimarães)

 

Poema / Quadro 14

2 de Agosto de 2021

Este poema de Le feu qui dort, que Mário Dionísio escreveu em francês, foi traduzido pela Regina Guimarães e fez-nos encontrar uma litografia de Georg Grosz, artista de duras sátiras.

Aqui vão os poemas e o desenho.
 
 
23.
Qui dort dîne
Alors dormons

pendant qu’ils dînent pour de bon
et nous dînons-dormons

cette soupe madame est un chef-d’oeuvre

nous voyons écoeurés le ballet des pieds-plats
nous apprenons à nous coucher sur des épines
nous savourons les mille façons d’avaler des couleuvres

avez-vous essayé ce beau pâté de foie

bercés nourris par la sagesse des nations
nous dormons que tout est calme nous dormons



23.
Quem dorme come
Durmamos então
Enquanto eles jantam de verdade
e nós comemos-dormimos

minha senhora, esta sopa é uma obra-prima

agoniados assistimos ao bailado dos pés chatos
aprendemos a deitar-nos sobre espinhos
saboreamos as mil maneiras de engolir sapos

já provou esta pasta de fígado divinal

a sabedoria das nações dá-nos embalo e sustento
e nós dormimos oh que calma nós dormimos

 

Poema / Quadro 13

8 de Maio de 2021

Um poema de «As solicitações e emboscadas», livro de 1945, levou-nos a muitas mãos gretadas pintadas. Mas detivemo-nos nestas do «Retrato de mulher sentada», de Rembrandt, uns 300 anos anteriores ao poema de Mário Dionísio.

ESSA TRAGÉDIA TÃO VULGAR

Oh mulher das mãos gretadas

Como era brando o ar que te fechava os olhos e soprava
o teu cabelo e o teu vestido
Como o teu coração batia espavorido aos passos dele
ao fim da rua
E como os dedos dele eram ingénuos e tremiam
também
nesse ontem esfiapado na distância

E a casa e a casa e casar e a casa
como uma asa
levíssima roçando
a doce pele dos quinze anos

Mas agora
ele adormece à mesa tão cansado
todas as noites tão cansado e infeliz
e tu estás sempre séria com os ombros caídos
e tens as mãos gretadas

 

Poema / Quadro 12

4 de Maio de 2021

Do livro Solicitações e emboscadas, lançado em 1945 por Mário Dionísio, saltou este «Domingo». E o poema pôs-se à escuta de um quadro de Marc Chagall de 1924, o «Violinista verde».

DOMINGO

cego ao fim da rua e o violino
e este sol indolente de domingo
soprando um ameaço de beleza
nas cabeças despenteadas
que surgem por acaso nas janelas
Abarcando tudo entrando em tudo
a música do cego ao fim da rua
insistente errada mas dormente
sem uma esmola no chapéu
E eu indiferente a tudo isto?
Que se passa Música de cego
que tanto me buliste sempre até cá dentro?
É a força que nasce?

 

Poema / Quadro 11

29 de Abril de 2021

Um pequeno poema do livro «Terceira Idade», de Mário Dionísio, de 1982, levou-nos a olhar de outra forma estes «Velhos carvalhos» de Edward Munch, pintados em 1923.

XLVIII

Quanto ainda durarão
estas árvores secando
com raras folhas de adeus?

Quem passa olha-as pensando
na boa lenha que darão
para aquecer os seus

 

Poema/Quadro 10

14 de Abril de 2021
Desta vez um quadro de John Constable, onde podia soar um "rufo de asas", pôs-se à conversa com um pequeno poema de Mário Dionísio, o poema XIV do livro Terceira Idade, de 1982.

XIV

Assustado rufo de asas na floresta
Tão indistinta voz que não há voz que a diga
Assomar de quase nada que é tudo o que nos resta

Dourado fosco de moldura antiga

 

Poema/Quadro 9

8 de Abril de 2021

Entre «Riso Dissonante» (1950) e «Memória de um pintor desconhecido» (1965) passaram quinze anos em que Mário Dionísio não parou de escrever poesia. Alguns poemas desse período foram reunidos com o título «O silêncio voluntário». Um deles é «Adão e Eva entre os andaimes», que se refere directamente a este quadro de Fernand Léger. O poema foi cortado pela censura…

Adão e Eva entre os andaimes

Outro é o tempo outro será
dos ócios que tu sonhas conquistados
Adão e Eva entre os andaimes destas horas
reconstruindo paz

Por entre as nuvens de aço e o semblante
embiocado do destino amargo
teu contorno de força azul ou negro
forja amarelos de raivosa esperança

Saúde a ti que rasgas novas flores
no peito desolado e ao riso forças
máquinas cegas que ainda nos não ouvem

Saúde a ti pedreiro deslumbrado
cujos verdes azuis vermelhos brancos
trazem das lamas da estação infame
a certeza serena e alvoroçada
da alegria civil

 

Poema/Quadro 8

3 de Abril de 2021

O poema n.º 25 de «Memória de um pintor desconhecido» de Mário Dionísio levou-nos a esta onda de Gustave Courbet, uma das suas sete pinturas de «mares tempestuosos» pintadas entre 1869 e 1870.

25.

Altos cachões de espuma
com instantes de prata
um corpo aqui se afunda
em seu túmulo de água

De extremo a extremo um pano azul puído e sujo
batido pelo vento em si mesmo desata um arvoredo
de mágoa

Rola no horizonte o peso
redondo e cavo dum balão de medo

Ao longe um eco verde
de lata

 

Poema / Quadro 7

24 de Março de 2021

O poema 46 de «Memória de um pintor desconhecido», de Mário Dionísio, pôs-se a chamar por um quadro de Edward Hopper. Pareceu-nos que este «Automat – 1927» se encontrava bem com o poema.

Neste café quase deserto
não espero hoje ninguém
senão a cor difusa duma ausência
que não magoa e sabe bem

Uma palavra ou outra incompleta se recorta
na memória um minuto preguiçosa
só mal desperta quando a porta
se abre e fecha e entra alguém
que vai sentar-se longe ou aqui perto

O sol de inverno sinto-o nos dedos
como discreta ajuda carinhosa
a esta construída sonolência
tão espontânea sei lá em tanta gente

Que longe tudo o que procuro!

Ser como os outros todos um instante que seja e tão tranquilo e diferente!
sem planos sem segredossem história sem passado sem futuro

 

Poema/Quadro 6.

10 de Março de 2021

Um excerto de um poema de Mário Dionísio levou-nos aos quadros e assemblages de Robert Rauschenberg. Alguns deles foram chamados de “combine”, porque cruzavam técnicas da pintura e colagens de objectos a três dimensões.

Eis o sugestivo e intrigante excerto do poema de «Memória de um pintor desconhecido», o n.º 77:

«(…) Em breve também eu pintarei com barbatanas de plástico
latas velhas esquecidas no lixo da cidade pregos tinta negra aparas de borracha
em amor nem desprezo lançarei vermelhos e amarelos com os olhos fechados
e num canto da tela inventarei com pedaços do Match ao acaso recortados
um engenho inquietante todo latas de graxa escovas um elástico
atirando bolinhas de pus ruidosamente musicais
à cara dos espectadores que não são eles
mas tu
e eu
e eles»

 

Poema/Quadro 5.

3 de Março de 2021

Um poema de «Memória de um pintor desconhecido», um livro de poesia de Mário Dionísio de 1965, fez-nos encontrar um quadro de René Magritte, uma das suas duas pinturas chamadas «La condition humaine» (A condição humana), dos anos 30.
Um pergunta pela inspiração, o outro pelo quadro. Onde estão ambos, afinal?


72.

Entrou aqui a inspiração
pela janela aberta
apanhou o artista de surpresa
que não cria nela

Entrou num turbilhão
de incerteza
e oferta

Entrou saiu
e só deixou
no vazio que encontrou

um quarto um cavalete uma janela

 

Poema/Quadro 4.

24 de Fevereiro de 2021

OS  GALOS DE LURÇAT

Num turbilhão de folhas e de sóis
entre nuvens peixes pedras luas estrelas
cantam os galos de Lurçat

Bom dia corações de girassol e astros com cabelos
Bom dia homens com raízes

Pairam na lã os ares
do Loire e do Garona
meiga luz de velhíssimos teares
cheiro a cachos do Beaune
meiga luz dos mil matizes do aroma
da doce terra de França

Entre troncos caídos em clareiras virgens
graves galos garbosos
de esporões floridos
com a manhã nas cristas

Que outras horas são estas
Que outros sítios e olhos? Que mendigos em festa?
Que serenidades imprevistas?

Galos negros e azuis
entre o presente e o futuro
traçam nos túneis absurdos
esguias figuras mudas

Galos verdes e castanhos
rasgam na alma os lanhos
da poeira dos anos

Galos vermelhos brancos amarelos
no ponto robusto de ásperas lãs
soltam clarins nas ruínas ermas dos castelos
de que se erguem amanhãs

Oh universos suspensos de Lurçat nos nevoeiros densos
da doce terra de França
Oh fanfarras desgrenhadas nas auroras dúbias e ousadas
na doce terra de França

Teus galos cantam fúria e eu oiço amor
teus galos cantam dor e luto e noite e eu oiço
esperança


 

Mário Dionísio admirava muito as tapeçarias de Jean Lurçat.

Em 1950 escreveu este poema que acompanhamos com a imagem de um dos seus muitos galos tecidos em lã.

 

Poema/Quadro 3.

16 de Fevereiro de 2021

O poema 61 do livro “Le feu qui dort”, de Mário Dionísio, lembrou-nos um quadro de Turner, “Waves breaking against the wind”… porque diz assim:

61.
Já não há navio
nem mastro nem remo
Só vagas em redor à direita e à esquerda

Sê pois o grão a chama
que à tona mantém
a jangada da musa onde naufrago

É a tradução portuguesa de Regina Guimarães do poema que Mário Dionísio escreveu em francês:

61.
Y a plus de navire
plus de mât plus de rame
À droite à gauche tout autour rien que des flots

Sois le grain et la flamme
qui tient à fleur de l’eau
ce radeau de la muse où je chavire

 

Poema/Quadro 2.

11 de Fevereiro de 2021

Esta semana lembrámo-nos de um quadro de Kazimir Malevich, Quadrado branco sobre fundo branco, um óleo sobre tela, de 79,4 × 79,4 cm, pintado em 1918.
Uma pintura conservada no Museum of Modern Art, em Nova Iorque, nos EUA.
A propósito deste belo poema de Mário Dionísio, incluído no livro Memória de um pintor desconhecido, de 1965.

Branco de neve
branco de leite
 
branco de cal
branco de lua
 
Contra branco outro branco
Um outro branco ainda sobre um novo branco
de espuma
com areia quase branca
 
Toda a ternura a fadiga a mágoa imensa
do branco contra branco sobre branco
na brancura mergulha branca flui
 
Branco entre limos
Branco entre mastros
 
Por túneis brancos ruas brancas sombras brancas
maciamente o branco longamente inventa branco
na crua branca amargura dos anos cegos Brancos

 

Poema/Quadro 1.

3 de Fevereiro de 2021


Aqui vai um dos poemas de O riso dissonante, que nos fez lembrar um quadro de Fernand Léger (uma das versões de Les constructeurs), um pintor que Mário Dionísio admirava. E, curiosamente, quadro e poema são os dois de 1950…

27.
um boné de pala sobre o mundo
hirto de sombra iluminada
lança uma flor de arremesso nítida
erguendo bairros de frescor

sobre máquinas novas homens velhos
mudam a pele às horas oleosas
canta atrevido entre o fumo denso
das chaminés um pássaro invisível

com as blusas manchadas com as mãos manchadas
com o riso e a voz para sempre manchados
homens áfonos soltam o prenúncio
da alegria do tempo inevitável

André Spencer e F. Pedro Oliveira para Casa da Achada - Centro Mário Dionísio | 2009-2020