Mário Dionísio: os primeiros 100 anos
Decorreu no passado sábado, dia 16 de Julho, uma série de actividades a que a Casa da Achada- Centro Mário Dionísio intitulou Os primeiros 100 anos, comemorando o centenário de Mário Dionísio no dia em que ele faria precisamente 100 anos. As actividades começaram cedo, a meio da manhã, com um “quebrajum” para não começarmos de estômago vazio. Seguiram-se as primeiras oficinas de t-shirts, jogos (“Gafanhoto Caracol”, um jogo de tabuleiro criado pela Casa e que também esteve à venda, mas também xadrez) e leituras. Leram-se poemas, excertos de entrevistas a Mário Dionísio, partes da sua Autobiografia e d’ A Paleta e o Mundo. Gente foi chegando ao longo do dia, ocupando as ruas da Casa da Achada e as sombras no jardim onde ficou situado o bar que não parou até ao fim da festa.
Às 16h o coro da Achada fez um espectáculo a que chamou Não se pode viver sem utopia, uma apresentação que cruzou canções com textos de Mário Dionísio e de outros, marcando o centenário do seu nascimento e convocando as nossas inquietações actuais (a guerra, os refugiados, o trabalho, a perda de direitos sociais, o controlo dos media, a glorificação do dinheiro), pensando sempre em formas possíveis de transformar a realidade e relançando uma ideia de Mário Dionísio, a de que não podemos viver sem utopias e é necessário imaginar outras formas de viver em comum.
Depois do espectáculo do coro, continuaram as oficinas de fazer pins e t-shirts, e constantes leituras feitas por muita gente – umas preparadas, outras de improviso, animando a rua com palavras e dizeres. Palavras escritas também em cartazes, sugeridos por poemas ou ideias de Mário Dionísio.
Às 18h houve o lançamento da nova edição da Poesia Completa de Mário Dionísio, um título que se justifica por incluir toda a poesia editada do autor, mas também por fazer referência à sua Poesia Incompleta, uma edição entretanto esgotada. Com a particularidade de incluir uma tradução de Le feu qui dort (escrito por Mário Dionísio em francês) para português por Regina Guimarães. João Rodrigues apresentou a edição e explicou como foi feita. Um representante da Imprensa Nacional -Casa da Moeda, Rui Carp, responsável pela edição, explicou a sua integração na lógica da instituição e o director da colecção de poesia, Jorge Reis-Sá, explicou a importância de disponibilizar obras tão importantes como a de Mário Dionísio. Jorge Silva Melo, autor do prefácio da edição, fez uma profunda intervenção sobre o sentido da poesia de Mário Dionísio (poesia escondida, poesia exilada, poesia do quotidiano, reflexão sobre o tempo e a sua passagem) e a sua relevância na literatura do século XX. Poesia Completa vendeu-se ao longo da tarde, a preço especial de lançamento. E muita gente comprou e levou para casa.
Mais tarde, pelas 19h, começou uma série de intervenções Mário Dionísio – por onde é que eu lhe pego, intervenções livres ao microfone, na rua da Achada, de muita gente dizendo como conheceu Mário Dionísio (o homem) ou a sua obra, e porque lhe importa ela, que ideias descobriu. A variedade de intervenções permitiu compreender a diversidade e a riqueza do pensamento, da vida e da obra de Mário Dionísio, capaz de tocar tanta gente e de formas tão diferentes. E até houve gravações enviadas por gente que não podia estar presente, mas queria deixar a sua mensagem à Casa da Achada.
Em transmissão (quase) contínua, esteve um programa da Rádio Paralelo que dedicou o dia inteiro a Mário Dionísio, marcando a ocasião, com entrevistas, poemas, canções. O programa passou também ao mesmo tempo na Rádio Manobras.
Para além das edições da Casa, muitos outros objectos estiveram à venda numa pequena feira, entre livros, roupas, pinturas e outros objectos raros.
Também se aproveitou para pedir apoios financeiros – afinal também é preciso dinheiro para continuar a actividade da Casa da Achada – para a reedição d’A Paleta e o Mundo, que é uma das prioridades actuais da associação.
Em exposição esteve um quadro restaurado recentemente com contribuições de amigos. A mostrar que vale a pena o trabalho (colectivo) de preservação da memória – neste caso da pintura de Mário Dionísio.
E as leituras de poesia não pararam – foi bonito ouvir tantas vozes diferentes a dar novos sentidos àquelas palavras.
No fim do dia, entre risos e aplausos, sorteou-se o tapete de trapilho (à tarde estiveram miúdos e graúdos a vender rifas para isto), uma bela obra feita a partir de um quadro de Mário Dionísio, cuja pintura continua a inspirar muitos fazeres diferentes ali na Casa da Achada.
Tudo isto com tempo para uma conversa, um jogo, uma cerveja, uma sangria, uma tarte ou uma bifana. Um dia pleno de sol, mas também de poesia, arte, palavra, pintura e gente amiga da Casa da Achada (ou que a conheceu pela primeira vez e ali se “amigou”).
Apetece pensar que Mário Dionísio teria gostado, aos cem, de ver esta gente junta, a conviver e empenhada em transformar a realidade, com ele.